sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Piracema em três atos.

1.° Ato
Piracema é um ato natural praticado pelos peixes buscando nas cabeceiras um local apropriado para a sua desova. O instinto natural os leva a um exercício extremo no alcance das águas mansas onde os alevinos têm maior probabilidade de sobrevivência. Aqueles que conseguem seus objetivos depositam suas ovas para serem fecundadas e retomam o caminho de volta. Na tentava de superar os inúmeros obstáculos muitos morrem ou são impedidos de completar sua viagem; outros tantos são capturados por predadores que se alimentam de suas carcaças. O mesmo ocorre com as larvas frente a seus inimigos. Estima- se que muito pouco do que foram fecundados sobrevivam; segundo estudos feitos por renomados estudiosos, cerca de 1% dos alevinos atingem a vida adulta. É um fenômeno que ocorre entre novembro a fevereiro de cada ano.
2.° Ato 
Há um movimento social que, grosseiramente, assemelha-se a piracema. É a marcha dos candidatos a cargos eletivos que disputam as eleições no Brasil democrático. Vigora, a cada biênio,  de agosto a outubro podendo se estender até novembro, quando há segundo turno. É o tempo em que as mais distintas e estranhas figuras saem de suas casas (ou toca) e avançam em todas as direções. Como nos cardumes, eles também gastam suas reservas na divulgação de seus ideais povoando as ruas, invadindo as favelas, atingindo os pontos mais longínquos. Estampam nas calçadas, nas praças os seus banners, as suas placas.Vivem cercados por espertos e bajuladores que consomem suas finanças. Depositam seus panfletos (ovas) nas caixas de correios e, na falta desta, sem o menor pudor, espalham seus santinhos pelo hall ou pela calçada esperançosos de que sejam aceitos por toda a família. Feitos as "desovas", tantos os empregados como os responsáveis voltam para sua casas. Como no primeiro caso, a maioria se perde em campo e menos de 1% saem vencedores de tão árdua conquista.
3.° Ato
 Em Salesópolis, após a alteração do trajeto da linha de ônibus que serve à cidade, os moradores se vêm obrigados a fazer algo parecido; o que levou um incisivo vereador a classificar tal ato como piracema. Tendo pela frente uma longa jornada até Mogi das Cruzes e adjacências, eles caminham em direção à Nascente, na tentativa de conseguirem bancos disponíveis para fazerem o traslado sentados. Lá vão os estudantes, profissionais liberais, professores misturados com os veranistas dos fins de semana.  Isso ocorre todos os dias nos horários de pico. Jovens, adultos seguem a dura rotina para a manutenção de seus sonhos, de sua saúde, de suas vidas.
Epílogo.
Façamos agora um último adendo a cada caso. O primeiro deles é algo natural, instintivo e que mantém a espécie sobrevivendo os mais fortes na cadeia alimentar. Dura entre dois e três meses no ano, mas é infinita.
O segundo caso é parecido. Enquanto o direito do sufrágio universal existir, sempre haverá alguém usando de habilidade, de astúcia para convencer os desinformados, os humildes e ingênuos a lhes conceder o direito de viver o seu sonho.

Por fim, o terceiro caso é o mais infeliz de todos. Nele está em jogo não a glória, a riqueza, mas o mísero conforto de uma viagem que antecede um dia de trabalho, de estudo e, às vezes, os dois ao mesmo tempo. É uma batalha onde não uma vitória definitiva, mas pequenas conquistas que precisam ser vencidas todos os dias e sem a perspectiva de melhoria. Então fica a pergunta: Essa piracema salesopolense também é eterna? 

Imagem. google.